Continua minha saga para a feitura de um arco de madeira. O da primeira tentativa quebrou antes do tillering, então nem ganhou um post aqui, mas esse segundo chegou a atirar umas flechinhas antes de se despedir desse mundo.
A Escultura
Com meio caibro de ipê que havia sobrado da primeira tentativa, comecei a esculpir totalmente a mão um arco ambidestro (porque minha mulher é canhota e ela poderia atirar também). Sem bancada de trabalho e sem muitas ferramentas, deu um trabalho dos infernos. Fiz ele inicialmente com 1,80 já pensando na possibilidade de ter que encurtar as lâminas para aumentar o peso e, se isso não fosse necessário, acho que um arco mais longo perdoaria um pouco mais meus erros de construção.
Serrote, serra de arco, grosa, braço, muito suor e um pouco de sangue foram basicamente as ferramentas que usei.
Com a falta de experiência aliada à falta de habilidade, vez ou outra eu passava do ponto no desbaste da madeira e, para corrigir, tinha que desbastar um pouco mais as duas lâminas. Então, acabou que o arco ficou muito leve, mas consegui terminar.
O Riser
Colei na peça de ipê um pedaço de peroba e outro de uma outra madeira que não sei qual é, trabalhei o riser todo com a grosa e estava até gostando dele. Para aumentar a lateral da janela, onde eu tinha feito uma cagada, colei um pedaço de osso (que na foto ainda está bem tosco, iria trabalhar ele melhor depois) onde, mais tarde, também colaria aquele couro da lateral da janela. Preparei também uns pedaços de osso para fazer os tips, mas não cheguei a usar. (Troço duro de trabalhar o tal do osso)
O Backing
Tentei fazer um backing com manta de fibra de vidro, sei que o ideal seria fazer com tecido unidirecional ou roving com resina epóxi, mas por aqui não tem dessas coisas disponíveis no mercado e eu não estava disposto a gastar muito com ele. Então, fui no material que tinha disponível mesmo.
Aqui, tive um problema fundamental.
Eu não fiz a lâmina em separado para depois colar. Eu tentei fazer direto no arco achando que a resina iria aderir à madeira, e achei até bem tranquilo o processo de preparar a resina e aplicar junto com a manta. Mas não aderiu. A fibra soltou facilmente da madeira.
Não teria sido um grande problema porque, na verdade, o próprio arco serviu como forma e eu tinha a lâmina de fibra de vidro. Só que eu não consegui cortá-la com as ferramentas que eu tinha. Era muito dura para a tesoura, a faca e o estilete e a lâmina toda era muito flexível para eu trabalhar com a serra de arco. Apanhei bastante tentando serrar/cortar. Acho que se eu tivesse uma bancada para travar a lâmina e/ou uma serra tico tico ou qualquer serra de bancada, teria sido tranquilo. Mas não deu certo e larguei de lado. Parti para um backing de papel.
Lixei a resina que ficou na madeira e tasquei uma cartolina preta com cola epóxi. Não sei se fiz certo, mas como a cola epóxi é muito resistente, achei que ela seria uma opção melhor para dar resistência ao backing do que a cola de madeira normal. Por cima da cartolina, dei duas demãos de tinta Batida de Pedra (aquela usada para pintar o fundo de carros) para proteger o papel, porque essa tinta depois de seca é muito resistente.
A Corda
Fiz com fios de poliéster seguindo
este tutorial que achei bem fácil. Primeiro fiz com 8 fios mas acabou ficando muito muito grossa, além de estar muito longa. O nock da flecha se encaixava perfeitamente nela, sendo impossível fazer um serving para reforço. Deixei esta maior para usar no tillering e fiz uma outra com 6 fios e mais curta. Visualmente, achei até que ficou boa, não uma belezura, mas não faz vergonha. Ainda não testei o peso que ela suporta.
O Tillering
Tira um pouco aqui, outro ali e para os meus olhos não muito treinados, me pareceu razoável. Além disso, como o arco já estava muito leve, eu não tinha muita margem para remover madeira das lâminas. Então não me demorei muito nesta etapa.
Como o arco estava leve demais, mas demais mesmo, lembrei de ter lido em algum lugar o sábio Jorge dizendo que uma alternativa era encurtar as lâminas. Tirei uns 5 cm de cada lado e melhorou um pouco, mas ainda pedia mais. Mais um corte de uns 5 cm e, apesar de ainda estar bem levinho, melhorou mais ainda, ao ponto de eu considerar que seria aceitável para crianças.
O Teste (ou A Morte)
Voilà. Meu arquinho de cara preta, ainda grosseiro - coitado -, estava pré pronto. Era só atirar uma dúzia de flechas e partir para os acabamentos. Ia ficar uma belezinha, a criançada iria se amarrar.
A primeira flecha atirada por um arco que eu fiz! Que alegria! Valeu o trabalho, a canseira, tanto suor, tanto pó de madeira inalado, tantas raladas com a grosa no indicador da mão esquerda... Aquele vôo de flecha fraco, lento, feio até, mas que cravou no alvo era fuleiro, mas era meu e feito por mim. Uma realização.
Segundo tiro, terceiro tiro, quarto tiro e aquele sonzinho temido bem baixinho.
"Creck"... Não, espera aí! Eu enverguei esse arco várias vezes no tillering. Já foram 3 tiros de sucesso. Procuro a rachadura e não encontro. Será que foi a cola?
Com um pouco de imprudência e muita esperança, parto para mais um tiro. Vai dar certo. Vamos lá. Puxa, ancora... Aí sim, vem o Creck alto e pomposo. O backing se levanta, a lâmina torce um pouco, a flecha voa desanimada e meu arquinho agoniza. -_-
Que droga, vou ter que começar tudo de novo!
Seguem algumas fotos póstumas.
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